O cinema de muito é utilizado nos cursos de Psicologia, subsidiando e embasando assuntos, exemplos e temas da área do conhecimento sobre os fenômenos psíquicos e comportamentais humanos. O cinema, decididamente, facilita a compreensão teórica dentro de uma perspectiva vivaz de movimento e cena. Contribui, sobremaneira, com o debate, a análise e a discussão de alguns processos psicodinâmicos estudados pela ciência.
A experiência cinematográfica
é, portanto, uma experiência psicológica onde nossas faculdades mentais e
funções estruturais de representação (cognição) são incitadas. Abre-se, assim,
a “caixa de pandora” de nossas imaginações e voamos nas asas virtuais da ilusão
consentida. A fantasmagoria exibida na tela se reveste de nosso mundo interno
projetado conjuntamente aos fotogramas do filme. Christian Metz, um estudioso
da semiótica do cinema, em seu livro “A
Significação no Cinema”, descreve que o espetáculo cinematográfico é “um vazio
no qual o sonho imerge facilmente”.
Considerando
que um filme é uma soma de imagens (e de sons também), uma estrutura de signos,
a força expressiva da montagem do mesmo liga o expectador e seu olhar à
narrativa do mundo ficcional. Todavia, destaquemos que a história contada é um
ponto de vista, uma visão que, por sua vez, modela o nosso olhar que assiste a
trama como uma espécie de testemunha. Através da manipulação do ponto de vista
o olhar do expectador pode ser modelado, assim como sua interpretação. Embora saibamos
que o que acontece na tela é um faz-de-conta, atribuímos às imagens
características de realidade, envolvendo-nos no contexto da história como se
ela fosse de verdade. Levados à ilusão, porém, não nos iludimos tão
completamente, visto que são nossas faculdades mentais e investimentos
psicológicos atiçados e projetados que dão ao filme uma roupagem de “realidade”.
Hugo Münsterberg, psicólogo alemão, pioneiro da Teoria do Cinema, já no início
do século XX deu ênfase à ideia do expectador ativo que preenche as lacunas
textuais do filme mediante investimentos emocionais e cognitivos. Os eventos
mentais que o filme produz não são da esfera do celuloide, mas da mente de quem
o assiste. Explica ele que ao assistirmos um filme nos afastamo-nos de todos
nossos compromissos cotidianos, e isolados do mundo real e com nossa atenção
extasiada percebemos o filme em si mesmo, participando assim do jogo.
O cineasta russo Pudovkin, que
desenvolveu importante teoria sobre montagem, afirmava que “existe em psicologia uma lei que diz que, se
uma emoção dá origem a um certo movimento, a imitação desse movimento vai permitir evocar uma emoção
correspondente”. Ele mesmo
trabalhava com as questões do tempo, ritmo e tensão para causar uma pressão
emocional sobre o expectador. Obviamente que a utilização e manejo da câmara
nos coloca dentro do filme sobre a perspectiva de quem narra. Deste modo,
pode-se dizer que os olhos de quem assiste um filme se confunde com o olhar da
câmara, dos personagens e do narrador. O olhar, portanto, á a porta de saída e
de entrada do mecanismo mental chamado de identificação.
O fenômeno da catarse (que significa evacuação,
purgação) já era conhecido desde o teatro grego da Antiguidade. Segundo, por
exemplo, Aristóteles, a catarse é a purificação da alma mediante uma descarga
emocional provocado por um drama. E o cinema, como estética e arte, é um grande
veículo para descarrego emocional (do choro ao riso). Através, portanto, de
nossos heróis, vítima ou vilões, evacuamos uma miríade de sentimentos e
anseios, momentaneamente aliviando ou pacificando nossas almas e aflições. Sentindo
dentro, paradoxalmente, expulsamos pra fora nossos fantasmas. Ou como disse o
célebre escritor e pensador alemão Goethe, “o
que está dentro também está fora”.
Na sala escura do cinema a alma humana se transporta,
seja para outros mundos, seja para outras personas, seja para outras
biografias. Mas, na verdade e de fato, a alma se transporta é para dentro da
própria alma, lá onde se encontram guardados nossos sentimentos ilhados, nossos
desejos irrealizados e nossos sonhos inconsumados.
O cinema nos possibilita,
pois, esta fluidez dos sonhos humanos, afinal o cinema nos dá a impressão de
ter limites nem fronteiras, como dizia o cineasta Orson Wells. Também não é à
toa o que já afirmava Charles Chaplin, isto é: “num
filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a
imaginação”.
Joaquim Cesário de Mello
Um comentário:
Genial! Parabéns
Postar um comentário