A própria caracterização do personagem de Cheyenne é pura retratação do desencanto e depressão, realçado pelo andar lentificado por causa de uma dor ciática, voz contida e restrita, bem como pelo excesso de maquiagem de pó branco no rosto e batom vermelho na boca, conjugado pela unhas pintadas e imensa cabeleira desgrenhada, que lhe dão um ar extravagante e grotesco de uma pintura desbotada. Há ecos de Ozzy Osbourne, vocalista da banda Black Sabbath e de Robert Smith, guitarrista e líder da The Cure. De tão absurdo, caricato e surrealista, Sean Penn dá uma palpabilidade fantasiosa à triste figura de Cheyenne, um cara que tomou e cheirou todas, menos cigarro ("você nunca fumou porque continua uma criança. Só as crianças não têm vontade de fumar", diz-lhe uma outra personagem do filme). Um show excêntrico e mumificante à parte.
Em sua viagem de rito tardio pessoas vão cruzando pelo seu caminho ou será ele quem cruza o caminho das pessoas? Pessoas comuns em suas vidinhas comuns, pessoas estranhas e esquisitas como ele, pessoas que a própria vida esqueceu que existem. Quando uma garçonete de bar de beira de estrada lhe diz que o sanduíche passou do ponto e que "infelizmente é a vida" ele lhe refuta que "sem percebamos passamos da idade de dizer a minha vida será assim para dizer é a vida". Para Cheyenne "a juventude é distraída" e "quando se é jovem é muito difícil rever decisões". Ele mesmo diz a respeito de si: "há anos finjo ser jovem". Um outro lhe indaga o que ele faz, no que responde: "neste momento em especial eu tento juntar um rapaz triste a uma garota triste, mas está difícil. Temo que a tristeza não seja compatível com a tristeza".
O amadurecer do personagem é lento como seu andar, marcado de pequenos e graduais passos rumo a uma maturidade que lhe é nova e inicial. Cheyenne arrasta por onde passa um fundo e doloroso remorso. Remorso por ter se afastado do pai. Remorso por não ter filhos. Remorso por dois adolescentes que muitos anos atrás suicidaram-se ouvindo as melancólicas letras de suas músicas. Sua viagem não é tão somente iniciática, mas também purgatória. Como escreveu o crítico de cinema da Folha de São Paulo, Cássio Starling Carlos, "o excesso decorativo das cenas e dos movimentos de câmera serve para tornar mais explícitos os vácuos existenciais. O parentesco das imagens com o videoclipe faz o ritmo lento e contemplativo que toma lugar da velocidade ficar mais exasperante".
Embora o percurso de Cheyenne se faça filmicamente como uma espécie de colcha de retalhos, o resultado final é coeso e robusto. Entre o cômico e o dramático o filme nos leva a pontiagudas reflexões, muitas delas talvez até indesejáveis para nós que vivemos tempos de facebook e instagram. Em sua androgenia derrubada e decadente Cheyenne nos conduz por desérticos meandros estéticos que ressoam nos vazios entediosos de nossas almas. Um filme agudo e sensível, rara pepita em veios escassos, que merece um espaço no ruidar do nosso cotidiano brilhoso de imagens.
Em sua viagem de rito tardio pessoas vão cruzando pelo seu caminho ou será ele quem cruza o caminho das pessoas? Pessoas comuns em suas vidinhas comuns, pessoas estranhas e esquisitas como ele, pessoas que a própria vida esqueceu que existem. Quando uma garçonete de bar de beira de estrada lhe diz que o sanduíche passou do ponto e que "infelizmente é a vida" ele lhe refuta que "sem percebamos passamos da idade de dizer a minha vida será assim para dizer é a vida". Para Cheyenne "a juventude é distraída" e "quando se é jovem é muito difícil rever decisões". Ele mesmo diz a respeito de si: "há anos finjo ser jovem". Um outro lhe indaga o que ele faz, no que responde: "neste momento em especial eu tento juntar um rapaz triste a uma garota triste, mas está difícil. Temo que a tristeza não seja compatível com a tristeza".
O amadurecer do personagem é lento como seu andar, marcado de pequenos e graduais passos rumo a uma maturidade que lhe é nova e inicial. Cheyenne arrasta por onde passa um fundo e doloroso remorso. Remorso por ter se afastado do pai. Remorso por não ter filhos. Remorso por dois adolescentes que muitos anos atrás suicidaram-se ouvindo as melancólicas letras de suas músicas. Sua viagem não é tão somente iniciática, mas também purgatória. Como escreveu o crítico de cinema da Folha de São Paulo, Cássio Starling Carlos, "o excesso decorativo das cenas e dos movimentos de câmera serve para tornar mais explícitos os vácuos existenciais. O parentesco das imagens com o videoclipe faz o ritmo lento e contemplativo que toma lugar da velocidade ficar mais exasperante".
Embora o percurso de Cheyenne se faça filmicamente como uma espécie de colcha de retalhos, o resultado final é coeso e robusto. Entre o cômico e o dramático o filme nos leva a pontiagudas reflexões, muitas delas talvez até indesejáveis para nós que vivemos tempos de facebook e instagram. Em sua androgenia derrubada e decadente Cheyenne nos conduz por desérticos meandros estéticos que ressoam nos vazios entediosos de nossas almas. Um filme agudo e sensível, rara pepita em veios escassos, que merece um espaço no ruidar do nosso cotidiano brilhoso de imagens.
Joaquim Cesário de Mello
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