"E amanhã eu vou ter de novo
um hoje"
(Clarice Lispector)
Alguém poderia dizer que o
futuro é um lugar que não existe, pois quando lá chegamos não é mais futuro,
mas sim sempre presente. O filósofo Louis Althusser, em sua trágica autobiografia,
titulou a mesma de “O Futuro Dura Muito Tempo”. Sim, por esta perspectiva o
futuro dura muito tempo: a eternidade de uma existência. Ou como consta na
Wikipédia, “o futuro é o intervalo de
tempo que se inicia após o presente e não tem um fim definido”. Enquanto vida
houver, haverá futuro. Mas a vida não é uma sequência infinita de agoras. Nela há
o tempo único que é o espaço de tempo onde nasce, reside e se move a vitalidade
de um ser. Esta pequena temporalidade de uma existência é como uma estrutura
que se organiza de tempo passado, tempo presente e tempo futuro. Já escrevia o
também filósofo Jean Paul Sartre (“O Ser e O Nada”), em relação a esta síntese: “encontraremos, em primeiro lugar, este paradoxo: o passado não é
mais, o futuro ainda não é, quanto ao presente instantâneo, todos sabem que ele
não é tudo, é o limite de uma divisão infinita, como o ponto sem dimensão.”
Quando Heidegger indaga: que é
ser?, percebe que a entidade humana se destaca dos demais seres vivos, pois é capaz ele
mesmo de questionar o ser. O ser humano, chama Heidegger, é um “ser-aí”, um ente que existe de imediato
no mundo, um Dasein. Todos nós, seres
humanos, somos uma história que está ocorrendo e se cumprindo. Somos seres de
história e, portanto, somos igualmente um ser que aqui está para a morte. Mas a
morte está sempre a frente de quem vive, lá no derradeiro e último futuro do
sujeito. Embora caminhemos para ela, não morremos ainda. Estamos vivos.
Continuamos. No lugar do tempo ontológico e linear das coisas, Heidegger nos
propõe a temporalidade do sentido do ser do Dasein.
Tanto o futuro quanto o passado não existem como forma determinada, pois o
amanhã é expectância e o passado é lembrança, ou mais precisamente, o
significado que damos a elas.
O futuro, para onde
continuamente caminhamos, é o horizonte do ser. A cada horizonte alcançado,
novo horizonte nós temos pela frente. Conquanto vivamos sempre no presente,
marchamos incessantemente para o amanhã. O amanhã de hoje é o presente do
amanhã, assim como o presente de agora será o ontem do porvir. Se o presente é
sempre o estar aí, no presente do futuro ele se achará envelhecido.
O economista e filósofo
Eduardo Gianotti, em seu livro “O Valor do Amanhã”, trata do viver presente
em relação ao futuro como uma inevitável operação de juros e troca, só que não
é uma troca em ternos financeiros ou econômicos, mas uma troca em termos
intertemporais. Escreve ele: “A vida é
breve, os dias se devoram e nossas capacidades são limitadas... A tensão entre
presente e futuro – agora, depois ou nunca – é uma questão de vida ou morte que
permeia toda a cadeia do ser.” Os juros, relaciona Gianotti, é o
prêmio de quem soube esperar e aceitou adiar a realização de seus desejos para
o futuro; já para quem optou pelo agora tão somente os juros é o custo de sua
pouca paciência. Neste sentido assim exposto, há os credores (os que se
limitaram no presente e pouparam para o futuro) e os devedores (os que gastam
logo os recursos que poderiam utilizar mais adiante).
Acima
dizia que o futuro dura a eternidade de uma existência. Sim, o futuro é o
amanhã que está sempre porvir. Mas, lembremos, a cada dia estamos um pouco mais
perto do incerto, porém inevitável, do último presente onde não haverá mais
futuro. Ou como dizia o escritor português e Nobel de Literatura, José
Saramago, “de repente, o futuro tornou-se
curto”. Verdade, a vida passa, a vida, esta vida que cada um de nós vive,
um dia acaba. Vivamos o instante sorvendo dele o que dele podemos sorver, mas não
esqueçamos que a vida, ainda que passageira, não é feita num instante.
Somos inconstantes e mutáveis, e nesta nossa flutuação existencial vamos construindo, dia-a-dia, o futuro, pois, como afirma o escritor futurista americano Alvin Toffler, cada evento influencia todos os outros. O célebre pensador chinês Confúcio já nos ensinava, há mais de quatro séculos antes de Cristo, que se quisermos prever o futuro devemos estudar o passado. Por minha vez, entendo que o passado nos trouxe até o aqui-agora, e o aqui-agora nos levará ao futuro, incerto e indefinido, mas que traz as sementes e marcas do seu passado. Ou como dizia Gandhi: "o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente".
Olhemos, pois, ao redor, companheiros de caminhada, o terreno ainda é fértil. Plantemos sementes e reguemos cotidianamente, uma vez que mais adiante ela possa ser a árvore que nos sombreia quando então estivermos já cansados. Não é à toa que quando nos despedimos de alguém no agora dizemos "até amanhã". E é no amanhã que minha despedida de hoje se encontra e se afirma. Quero-a como nos versos do poeta luso Eugénio de Andrade:
"Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias".
Olhemos, pois, ao redor, companheiros de caminhada, o terreno ainda é fértil. Plantemos sementes e reguemos cotidianamente, uma vez que mais adiante ela possa ser a árvore que nos sombreia quando então estivermos já cansados. Não é à toa que quando nos despedimos de alguém no agora dizemos "até amanhã". E é no amanhã que minha despedida de hoje se encontra e se afirma. Quero-a como nos versos do poeta luso Eugénio de Andrade:
"Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias".
Até amanhã...
(dedico este texto aos meus companheiros e companheiras de jornada)
Joaquim Cesário de Mello
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