“Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão
condenados a repeti-lo” (George Santayana)
Objetivamente poder-se-á dizer
que o passado é a parte do tempo que se refere ao período anterior ao tempo
presente. Objetivamente o tempo pertence a todos. Já subjetivamente, podemos
dizer que o passado é o tempo que não passa. O tempo subjetivo é, portanto, o
tempo da intimidade que pertence a cada sujeito, que embora conviva com outros
sujeitos o tempo subjetivo de cada um é incompartilhável enquanto temporalidade
psíquica e pessoal. Humanamente o
passado está intrinsicamente relacionado à memória. E porque temos memória,
assim como percebemos o caminhar dos dias e sonhamos com o amanhã, é que o ser
humano é um ser absolutamente mergulhado na temporalidade. Passado e memória, um
não existiria subjetivamente sem o outro, pois ambos estão entrelaçados e ambos
são indissociáveis.
“Em meu princípio está meu fim. Umas
após as outras
As casas se levantam e tombam, desmoronam, são ampliadas,
Removidas, destruídas, restauradas, ou em seu lugar
Irrompe um campo aberto, uma usina, um atalho.
Velhas pedras para novas construções, velhos lenhos para novas chamas,
Velhas chamas em cinzas convertidas, e cinzas sobre a terra semeadas,
Terra agora feita carne, pele e fezes,
Ossos de homens e bestas, trigais e folhas.
As casas vivem e morrem: há um tempo para construir
E um tempo para viver e conceber
E um tempo para o vento estilhaçar as trêmulas vidraças
E sacudir o lambril onde vagueia o rato silvestre
E sacudir as tapeçarias em farrapos tecidas com a silente legenda.”
As casas se levantam e tombam, desmoronam, são ampliadas,
Removidas, destruídas, restauradas, ou em seu lugar
Irrompe um campo aberto, uma usina, um atalho.
Velhas pedras para novas construções, velhos lenhos para novas chamas,
Velhas chamas em cinzas convertidas, e cinzas sobre a terra semeadas,
Terra agora feita carne, pele e fezes,
Ossos de homens e bestas, trigais e folhas.
As casas vivem e morrem: há um tempo para construir
E um tempo para viver e conceber
E um tempo para o vento estilhaçar as trêmulas vidraças
E sacudir o lambril onde vagueia o rato silvestre
E sacudir as tapeçarias em farrapos tecidas com a silente legenda.”
Há
passados que se tornam lembranças. Há passados que se esquecem. Há passados que
cicatrizam o corpo e a alma. Há passados que não se superam e que ficam como se
fossem eternos. Lembranças, cicatrizes e esquecimentos, corpo e alma, fazem
parte do baú de quem somos. Relembrando ou não somos sempre feitos com barros
de outrora. Assim é criada e feita a nossa história, e não há pessoa,
personalidade ou identidade sem história. Todavia, o que nos importa é o
passado que não vira memória, que por não ter sido ainda digerido permanece
vivo e incomodante no atual. É um passado que não se transformou ainda em
passado.
“Abandonado” e “desamparado",
provavelmente com bastante medo, se vira ali sozinho agarrado com uma lata de
Farinha Láctea, próximo ao peito desapartado de outros seios. A farinha de que ele tanto gostava deixou de ser apenas uma
lata de farinha e transformou-se em uma espécie de “objeto transicional”, quase como se fosse um urso de pelúcia que um
menino se apega e aconchega próximo a si para poder dormir solitário em um
quarto escuro. Lembremos que psicologicamente um objeto, quando funcionalmente
é transicional, vincula-se às angústias infantis de separação e passa a representar
um espaço dentro da mente da criança.
Pois é, até hoje, homem adulto e de meia-idade, este meu amigo não deixa faltar nunca em sua despensa uma lata de farinha láctea, mesmo que ele até passe semanas sem saboreá-la, mas jamais consegue passar um dia sequer sem a lata em sua casa, perto dele. A lata (seus significados) é mais do que somente uma lata, é um passado perpetuado, e como todo passado que se mumifica é uma maneira inconsciente, muitas vezes, de não perdoarmos nossos mortos. Este é o típico passado a que faz menção O poeta Mário Quintana: “o passado não reconhece o seu lugar: Está sempre presente”.
Nossa vida psíquica não é marcada somente pela consciência de um tempo
linear. Em algum lugar (não um lugar espacial e tópico, mas sim um lugar funcionalmente
psíquico) a mente é atemporal, isto é, passado, presente e futuro se embaralham
como um tempo só. Neste suposto e hipotético lugar fatos e fantasias se
indiferenciam, e os fenômenos psíquicos se processam inconscientemente. Talvez
não haja mente humana que não sofra de alguma reminiscência de um passado que
ainda se articula com a vida atual como se vivo e presente fosse. Nossa memória
não é apenas descritiva e evocativa, mas igualmente procedural e emotiva. Meu
amigo acima citado sabe que a lata de farinha látea não é sua mãe, por exemplo,
mas age e sente frente a ela como se fosse. Infantil? Sim, provavelmente. Mas quem,
de fato, se livra totalmente da sua infância?
Pois é, até hoje, homem adulto e de meia-idade, este meu amigo não deixa faltar nunca em sua despensa uma lata de farinha láctea, mesmo que ele até passe semanas sem saboreá-la, mas jamais consegue passar um dia sequer sem a lata em sua casa, perto dele. A lata (seus significados) é mais do que somente uma lata, é um passado perpetuado, e como todo passado que se mumifica é uma maneira inconsciente, muitas vezes, de não perdoarmos nossos mortos. Este é o típico passado a que faz menção O poeta Mário Quintana: “o passado não reconhece o seu lugar: Está sempre presente”.
Há passado que vai... há passado
que fica. Assim como há passado que se lembra e há passado que se dói. Seja lá
como for, o que seria do passado se não houvesse o presente? Ou como poetiza Fernando Pessoa:
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia."
Joaquim Cesário de Mello
PS: às vezes, uma lata de farinha láctea é apenas uma lata de farinha látea.
Um comentário:
Lembrei de um textinho que fiz pensando em tempo.
http://andrezacrispim.blogspot.com.br/2013/07/bom-dia.html
Postar um comentário