O
cinema grego vai além de cineastas como Costa-Gravas, atrizes como Irene Papas,
ou filmes como “Zorba, o Grego” (1964), “Z” (1969), ou “Nunca aos Domingos”
(1960). Recentemente tivemos “Dente Canino”, de Giorgos Lanthimos, e “L, de
Babis Makridis. Nosso foco aqui é “Paisagem Na Neblina”, de Theo Angelopoulos.
Theo
Angelopoulos, falecido em 2012, iniciou como crítico de cinema, e como cineasta
abocanhou inúmeros prêmios internacionais de prestígio, tais como Palma de Ouro
em Cannes, Leão de Ouro e Leão de Prata no Festival de Veneza, entre outros.
Sua filmografia inclui importantes obras como “A Eternidade e Um Dia” (1998),
“Um Olhar a Cada Dia” (1995) e “O Passo Suspenso da Cegonha” (1991).
“Paisagem
na Neblina” (1988), ganhou o Leão de Prata de Veneza, o Interfilm do Fórum do
Novo Cinema do Festival de Berlim e melhor filme do European Film Award. Trata-se de um filme
intimista onde uma irmã (Voula), púbere, e um irmão (Alexandros), criança, partem
da Grécia rumo à Alemanha em busca de um pai que nunca conheceram e que provavelmente
não existe. Uma odisseia onde Voula, 11 anos, perderá a inocência residual da
infância e precocemente amadurecerá, assim como Alexandros, de 5 anos.
O filme é mais do que somente um filme. É
uma obra de arte, onde respiramos poesia através dos olhos. Afirmar que se
trata de um filme belíssimo é redundância. Esteticamente é esplendoroso,
impregnado de cenas antológicas e emblemáticas. Fabular e arquetípico, o filme
se inicia com Voula tentando ninar o irmão mais novo, dizendo “no princípio era
a escuridão”. Pronto, desde logo está dito o estilo narrativo e sua temática: a
cosmogonia pessoal dos personagens e sua busca por suas origens. Serão inúmeros
os perigos e as surpresas do percurso, caminho este filmado de maneira
imageticamente onírica. Cada cena, cada fotograma, é mítica e simbolicamente
enigmática. Vide, por exemplo a cena onde a escultura e uma mão gigantesca sobrevoa
sobrevoa com o dedo indicador ausente. Evidente que ali, alegoricamente, os
personagens estão sozinhos, sem qualquer indicação de onde se encontra o
suposto pai inexistente (a mãe tivera os filhos de sexo casual com homens
diferentes que nem sabe mais quem são - "filhos do azar", como diz um personagem - e os iludira com a ideia que seu pai
morava na Alemanha). Busca-se, portanto, uma verdade que é baseada em uma
mentira. Eis a cena na íntegra:
Vejam também esta delicada passagem onde Alexandros faminto vai a uma pequena lanchonete pedido comida. Pura poesia em tons melancolicamente surreais e azuis:
Cena após cena, quadro após quadro,
revelação após revelação, Angelopoulos nos flui com sua câmara uma verdadeira
partitura de imagens, sons e silêncios. O filme inteiro, de cabo-a-rabo, é de
um rigor artístico ímpar, formando um organismo único e vivo que nos pulsa
frente aos olhos e aos sentidos e que permanece em nós muito tempo depois de
assisti-lo. Ah!, que saudade dos grandes filmes, eles não estão mais em moda. O
cinema autoral quase inexiste, ao menos sobrevive em pequenos guetos de cinéfilos,
pequenas salas de exibição onde se passam ao largo dos shoppings centers da
vida. Viraram marginais. E que aqui, em “Paisagem na Neblina”, a Grécia é
marginal.
Certa vez escreveu o crítico de
cinema Marco Antônio Moreira: "Com
um cinema reflexivo, com longos planos-sequência mostrando o estado emocional
de seus personagens, Angelopoulos mostra nos seus filmes dramas humanos da
busca do homem pela sua razão de ser, entrando em conflito com suas ideologias,
seus sonhos e desejos, que vão se transformando na medida em que o seu olhar
sobre o mundo vai ficando mais revelador e desconcertante. Póetico, sensível e
humano, Angelopoulos é um dos maiores diretores do cinema atual". E é
isto, exatamente, que vemos ao assistir “Paisagem na Neblina”. Mesmo nas cenas
mais drásticas, como a do estupro de Voula, por exemplo, ali está a delicadeza,
a sensibilidade e toda a humanidade do cineasta. Nunca um estupro foi filmado
de maneira tão contundente, principalmente porque não vemos, somos submetidos a
vê-lo com os olhos da imaginação. Terrível.
Passaria horas, senão dias,
discutindo e debatendo “Paisagem na Neblina”, seus arquétipos, suas poéticas
cenas, sua complexidade, seus simbolismos e toda a sua imponência. Pena que não
dê. Marcando uma cervejinha em uma mesa de bar, pode ser que até dê um pouco,
um pouquinho. É só me convidar. Mas enquanto não me convidam, convido vocês a
assistirem ao filme em DVD, editado em 2010 pela Lume Filmes. Mas antes, que
tal se deliciar com um rápido trailer, ao som da lindíssima e tristonha trilha
sonora de Eleni Karaindrou? Cuidado pra não se deprimir...
Joaquim Cesário de Mello
Vi ainda no cinema. Marcante.
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