quinta-feira, 27 de junho de 2013

O ATO QUE ATA




Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas em ausência de doença ou enfermidade". Vê-se, portanto, que falar em saúde (pública e individual) não é apenas tratamento de doenças, mas principalmente prevenção de doenças e promoção de saúde e bem-estar, o que requer atividades em diversas áreas humanas e sociais e atuações multi e interdisciplinares. Neste sentido a aprovação do Ato Médico tem causado indignação, aversão e repúdio entre as diversas outras categorias profissionais da área de saúde, afinal no artigo quarto, que rege as atividades privativas médicas, encontra-se embutido a polêmica alínea I que dita ser exclusivo do médico a “formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica”.
              Nosologia vem do grego “nósos” (doença) + “logia” (estudo). Ao pé-da-letra, trata-se do conhecimento e estudo das enfermidades em geral, suas classificações, etiologias, patogenias e sintomatologias. A nosologia, pois, faz parte das chamadas ciências da saúde. E saúde, lembremos mais uma vez, não se promove apenas pelos aspectos biológicos, visto que somos seres bio-psico-sociais isto é, a promoção da saúde é interacional, pois envolve vários ramos do conhecimento humano e é fomentada por diversos aspectos pessoais, sociais, políticos, econômicos e culturais. Em outras palavras, saúde também faz parte das ditas Ciências Humanas.
                 O Ato Médico, do jeito que está disposto, abre espaço para um perigoso retrocesso, ao privar o cidadão de outras abordagens terapêuticas que não biologizantes, ou de submetê-las ao julgo médico tão somente. Evidente e indiscutível a importância e até indispensabilidade do médico na área de saúde, mas isto não significa a desimportância e a subordinação dos outros profissionais da área de saúde. Será que só o médico, e sempre ele, é capaz de avaliar um paciente e definir como se deve realizar o tratamento, e isto para qualquer problema? Toda adversidade, dificuldade ou problema que gere mal estar é questão exclusivamente médica, ou que tem que passar primariamente pelo olhar médico? Uma crise conjugal, por exemplo, que esteja gerando um elevado estado de tensão, preocupação, ansiedade e que esteja provocando disfuncionalidade em várias áreas da vida da pessoa em crise, é um problema especificamente médico ou que tem que obrigar a pessoa a procurar primeiramente um médico ao invés de um outro profissional capacitado pra tal situação? Alguém que trás consigo traumas infantis só pode ser encaminhado a uma psicoterapia se o médico assim achar e determinar?  Da mesma forma que um psicólogo não está instrumentalizado nem qualificado para diagnosticar muitas das doenças de origem somática, um médico igualmente não é capacitado para diagnosticar muitos dos problemas de natureza psicológica. 
      O radicalismo contido na Lei do Ato Médico, portanto, tira a autonomia de enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, biomédicos, fonoaudiólogos, entre outros ramos profissionais pertinentes e afins.
 Óbvio que a categoria profissional dos médicos tem que aprimorar e melhor regulamentar o conjunto de suas atividades, competências, funções e ofícios, assim como as demais categorias outras. Todavia tornar privativo de uma classe profissional única todos os procedimentos de diagnósticos e indicações de tratamentos não leva em conta a complexidade do ser humano. Tal verticalização hierárquica parece apontar para o risco de se criar uma espécie de “reserva de mercado”, ao restringir outros profissionais de saúde. Prejudicando assim a autonomia das diversas profissões, possibilita-se o perigoso surgimento de uma verdadeira autocracia.
  Que se fique claro que nosso posicionamento não é contrário a regulamentação de qualquer classe profissional, mas sim que as competências específicas de uma categoria não prejudiquem as demais. Pois, desse modo, daqui a pouco se vai dizer que um psicólogo, por exemplo, não pode ter competência de identificar sintomas depressivos ou de diagnosticar transtornos psíquicos em um paciente seu. É necessário, portanto, analisar e melhor reformular o texto de lei final, para que se possa tanto valorizar a profissão médica quanto a multiprofissionalidade em questão. Ou, como dizia Kurt Lewin, “autocracia é imposta ao indivíduo. A democracia, ele deve aprender”.
      Ainda é tempo de continuarmos aprendendo...

Joaquim Cesário de Mello

Nenhum comentário: