Pensei em continuar nesse artigo de
hoje o tema que havia desenvolvido anteriormente, sobre o tema da música de
cinema, mas preferi adiá-lo, para aprofundar outro tema – na verdade, uma digressão ao tema
anterior – que também é igualmente instigante: A relação literatura e cinema
A famosa frase “o livro é melhor
do que o filme” é sempre uma afirmação complicada. Complicada e controversa, mas geralmente é
verdadeira. Eu, particularmente – pode ser puro preconceito – tenho uma
tendência a valorizar mais o texto escrito, o livro, a ficção literária que a linguagem
cinematográfica de um texto que foi inicialmente literário. A escrita, no meu
entendimento, é a maior aquisição intelectual da humanidade. Penso que através
dela que criamos uma sofisticada trama de cruzamentos de linhas de raciocínio,
envolvido com estética e sentimentos. Não nenhuma novidade afirmar que a
escrita inventou o passado, e, esse domínio do tempo, fez do texto um
instrumento de aprofundamento do pensamento inteligente. Se revertermos o
caminho que fez a escrita, transpondo as letras que formaram palavras, que
formaram frases, que fizeram livro, em imagens novamente, temos uma tendência
ao empobrecimento de um determinado tema.
Tenho lá minhas razões para acreditar nisso e
não sou único nessa forma de pensar. Saramago, por exemplo, por muito tempo,
resistiu que sua obra se transformasse em filmes de cinema, até ceder com “Ensaio
Sobre a Cegueira” – o que foi um grande desafio para o diretor Fernando Meirelles,
pois se utilizou de um livro em que as “imagens” eram naturalmente
empobrecidas e as palavras eram os elementos que davam verdadeira sustentação
a narrativa da cegueira epidêmica. (mesmo com toda a habilidade do diretor,
ainda assim prefiro o texto). Outro autor que já teve alguns livros filmados,
Gabriel Garcia Marquez, jamais permitiu que filmassem a sua obra mais famosa e
talvez a mais cinematográfica: “Cem Anos de Solidão”. Argumentou, com acerto, que queria
deixá-la na imaginação do leitor e disse que só entregaria o romance, caso fosse obrigado a cedê-lo, apenas ao diretor Hector
Babenco.
O que talvez deva existir são
textos para serem lidos e textos para serem filmados, ou seja, textos, ou roteiros para
serem oralizados, lidos em voz alta, dramatizados. O que compromete muitas vezes a adaptação para o cinema, é
fato de muitos pensarem que o simples fato de transpor uma obra literária de
boa qualidade para o tela, mesmo com fidedignidade textual, já é meio caminho andado, e a
obra já teria por si só dado qualidade ao filme. Esse engano
parece - pois não assisti - que vem sendo observado no recente filme o Grande
Gatsby baseado na obra de S. Fitzgerald. Esse engano se repete freqüentemente. O
mesmo poderia dizer de alguns filmes que, em conseqüência do sucesso, se
transformaram em textos sofríveis – no passado, não faz tanto tempo, muitos filmes eram anunciados
com a frase: “veja o filme e leia o livro”. Nessa época o livro tinha o papel
de funcionar como souvenir, uma recordação do filme, época que não
existiam recursos de arquivamento de imagens (VHS, DVDs, Blu-Rays etc.,) de
cinema e o texto. O livro em si, muita vezes era a transcrição do roteiro do
filme o que empobrecia o filme e o livro.
A única solução que encontrei
para admirar o cinema e a literatura em igual proporção, um impasse muito
pessoal, diga-se de passagem, foi qualificá-los como dois continentes
artísticos diferentes. Ambos tem um parentesco com o teatro, mas
o cinema cria uma dinâmica que só funciona com roteiros e adaptações bem
elaboradas e focadas na imagem, ou seja, devem reescritas e devem guardar da obra inspiradora apenas o argumento as ideias e algumas frases. Queiramos ou não, essa mudança de uma arte para outra propõe uma desconstrução severa, mas necessária. não raro essas mudanças conseguem fazer duas obras de arte com enfoques
distintos e maravilhosos.
Recentemente assisti ao filme “as
Aventura de Pi”, no que achei, a princípio, um roteiro meio infantil, bobinho, mas
que me surpreendeu com o desfecho – adoro desfechos que nos pregam peças.
Esse filme foi baseado num livro homônimo (Life of Pi), do canadense Yann
Martel, que por sua vez, foi inspirado – ou plagiado – na
novela do brasileiro Moacyr Scliar “Max
e o s Felinos”. Não li o livro de Martel apenas assisti ao filme e li o
livro de Scliar. São ótimas obras, que com a mesmo argumento, trazem enfoques diferentes e, acrescento, que, em razão de formatos diferentes, não poderiam ser feito de forma similar. Por quê? Porque ao ser
transposto para cinema, se utilizou de recursos que só no cinema seriam possíveis de serem valorizados e que num romance ou novela seriam enfadonhos. Talvez seja conveniente ler Martel... A metáfora jogada sob forma de imagem no filme é maravilhosa, inspira-se em um "mais além" da literatura. chego a assistir a passagens borgeanas e lembrar deste aforismo de Nietzsche:
O que sabe propriamente o homem de si
mesmo! Sim, seria ele sequer capaz de alguma vez perceber-se completamente,
como se estivesse em uma vitrina iluminada? (...) repousa o homem, na
indiferença de seu não-saber, e como que pendente em sonhos sobre o dorso de um
tigre. (Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral, 1887)
Se
o leitor nada entendeu ou achou confuso, recomendo: veja o filme e leia o(s) livro(s).
Marcos Creder