“Devemos considerar que a felicidade da vida não
consiste no repouso da mente satisfeita. A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro,
não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o
segundo.... Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os
homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas
com a morte”.
As
palavras acima não foram proferidas por nenhum psicanalista ou psicólogo,
sequer por alguém no século XX ou século XIX. Tais palavras foram ditas
por um homem que nasceu e viveu entre os anos de 1588 e 1679. Quem? Thomas
Hobbes. Hobbes, além de matemático à sua época, foi também teórico político e
filósofo. Sua obra mais conhecida é o LEVIATÃ onde tece suas principais ideias
não somente quanto ao papel do estado, mas sobre a natureza humana. Considerando
ser a condição natural humana egoísta, movida pelas paixões e impelida em busca
do atendimento de seus desejos de qualquer maneira, entendia que só com a
criação de uma força maior (Estado) é que os homens poderiam ser regulados para
viverem agregados e em sociedade. Vem dele sua mais famosa afirmação: homo
homini lupus (o homem é o lobo do
homem).
A contínua marcha do desejo nos coloca no
centro da questão humana: sua permanente insaciabilidade. Embora separados por
cerca de dois séculos, Hobbes e Freud se encontram. Enquanto o primeiro
enfatiza a necessidade do Estado para conter a fúria narcisista dos desejos
humanos, o segundo enfatiza a necessidade de um Ego (auxiliado por um superego)
para igualmente conter os impulsos do Id.
Minha primeira
aproximação com o universo teórico-especulativo de Hobbes foi no iniciar de
minha segunda década de vida, quando fazia a faculdade de Direito e cursava a
disciplina Teoria Geral do Estado. Lá meus ainda ingênuos olhos entraram em contato
com a análise da condição primitiva da existência humana, isto é, quando os
homens viviam em pleno estado de natureza. A visão hobbesiana do mais primordial
dos instintos humanos é o desejo de não haver limites aos desejos, onde nas
condições mínimas de sobrevivência é cada um por si.
Gostemos
ou não do que nos propõe Hobbes , é necessário antes entendê-lo. Hobbes é bastante claro e inovador (e porque não dizer subversivo frente às ideias até
então preponderantes) quando demonstra que a felicidade não é um fim em si mesmo,
e que lá se alcançando se repousa flutuante na calmaria morna e tranquila das
águas perenes da felicidade. Nada disso, diz Hobbes. A felicidade é
inalcançável primeiramente por não ser um lugar, porém uma pretensão. O desejo
não repousa, afirma Hobbes, pois somos constantemente inquietos a nos
movimentar. Conquistado um objeto de desejo ou realizado um desejo, um outro
logo toma seu lugar. “A felicidade é um
contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do
primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo”.
Essa insaciabilidade
desejante humana também encontra eco em Freud, mormente em seu conceito fundamental
do Princípio do Prazer, princípio este que é inerente e basilar a todo
psiquismo humano. Em O MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO escreve Freud que “os homens não são criaturas gentis que
desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo
contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de
agressividade”. E aqui Freud nos sugere enxergar no interior das obscuras
entranhas humanas a pulsão agressiva.
Temos aqui, então, uma mudança de paradigma em relação à
felicidade. O foco não recai na felicidade como a tranquilidade e o repouso de
uma alma satisfeita e realizada, mas sim na ideia da felicidade como uma
condição ativa, condição ativa esta movida pelo fomentar contínuo do desejo. A felicidade,
pois, não é o objeto último do desejo. A felicidade da realização de um desejo
é momentânea, visto que a felicidade advinda pela realização desse desejo é
apenas uma passagem para outro desejo que, por sua vez, busca a felicidade de
sua realização. E assim sucessivamente.
Movimentamo-nos
pelo prazer e pela dor. Aproximamo-nos do que é prazeroso e nos afastamos do
que nos causa dor. Ou como diz Hobbes: “o esforço, quando vai em direção de algo
que o causa, chama-se apetite ou desejo... Quando o esforço vai no sentido de
evitar alguma coisa chama-se geralmente aversão”. E nos mecanismos naturais do desejo o prazer
de usufruir da satisfação de um desejo consumado é apenas ponto de partida para
o desejo seguinte. Assim entende Hobbes: “sendo a causa disto que o objeto do desejo
do homem não é gozar apenas uma vez, e só por um momento, mas garantir para
sempre os caminhos de seu desejo futuro”.
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Dentro da perspectiva puramente de sobrevivência e evolução, o ser humano muito antes de desejar ser bom deseja o que lhe é bom. Para isto é necessário discernir o que lhe faz bem e o que lhe faz mal, com vistas a salvaguardar a própria preservação. Como escreve Cláudio Leivas, em INTRODUÇÃO À FILOSOFIA POLÍTICA E MORAL DE HOBBES, “A necessidade de discernir objetos bons de objetos maus encontrará sua formulação mais radical na explicação hobbesiana que o indivíduo humano deseja acima de tudo evitar a morte e que por esse motivo ele considerará a preservação o seu bem maior e a morte o seu mal maior. A necessidade de distinguir corretamente objetos bons de objetos maus provoca uma alteração fundamental no indivíduo humano. Ao posicionar-se desse modo o indivíduo vai além daquela inclinação que visa à preservação da vida e das partes do corpo – isto é, além daquela condição básica e fundamental que parece enclausurar o homem em sua natureza física – o homem revela-se finalmente um ser racional”.
Pelo
acima exposto, vê-se que a passagem do homem natural para o homem racional se
faz por questões de preservação e sobrevivência. Na busca pela saciabilidade de
seus desejos alguns desejos, ao invés de resultarem lhe serem bem, provoca o
mal. Assim o ser humano é levado a abdicar desses desejos com vistas a se
salvaguardar. Em outras palavras, alguns apetites não satisfeitos garantem a própria
sobrevivência. Algo que Freud também diria com termos do tipo “Princípio do
Prazer” versus “Princípio de Relidade”.
Joaquim Cesário de Mello
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