Certa vez afirmou Pascal (1623-1662) que
“o homem ultrapassa infinitamente o homem”.
Tais palavras me faz pensar na transcendência humana. Sim, o homem é mais do
que ele mesmo. O ser humano se ultrapassa, pois não se contenta com o que
simplesmente lhe é dado, porém deseja, sonha e tem esperança.
A
esperança é um afeto humano e, segundo a visão mítica da antiguidade grega,
foi-nos ofertada pelos deuses. Segundo o poeta Hesíodo, em Os Trabalhos e os Dias, provavelmente escrito em torno de seis
séculos antes de Cristo, segundo a história (mito) Prometeu (que em grego
arcaico significa “aquele que vê o futuro”) havia roubado dos deuses o fogo e presenteado
os homens para que eles dominassem a natureza. Irado, Zeus providenciou a vingança:
ordenou a Hefesto (deus do fogo e dos metais) que criasse uma mulher perfeita
(Pandora) e de vários deuses recebeu qualidades, tais como encanto,
inteligência, persuasão e beleza (Pandora em grego significa “todos os dons”).
Pandora, assim, fora ofertada a Epimeteu, irmão de Prometeu. Vendo tamanha beleza
Epimeteu tomou Pandora como esposa, mesmo contra os avisos do seu irmão para
que não recebesse nenhum presente dos deuses. Epimeteu tinha consigo uma caixa
onde estava guardada todos os males e um único bem, a esperança. Proibida de destampar
a caixa Pandora não resiste à curiosidade e finalmente a abre, liberando assim
os males como a doença, a velhice, as pragas e o sofrimento. Da caixa apenas se
conservou a esperança. Isto o que nos sobrou para enfrentar os males e as
adversidades: a esperança.
Embora
muitas vezes a esperança possa até ser transitória ou ilusória, ela é uma
necessidade humana. Porque nos transcendemos do instante e nos projetamos no
futuro, a esperança é fundamental em nossa contemplação do amanhã incerto. Há uma
passagem bíblica, por exemplo, onde se faz menção que o agricultor deve arar
com a esperança da recompensa, pois assim alívia o árduo do seu trabalho. Neste
sentido podemos associar a esperança a uma potência interior, cuja força nos
move e concilia nossos sofrimentos com a finalidade do existir humano.
Esperança
se relaciona com o advir. Do latim sperare
é o sentimento que nos faz contemplar o futuro como em condições melhores que o
presente. Sem adentrarmos na esperança como fé no sentido teológico e religioso
do termo, mas sim em seus aspectos psicológicos, a esperança nos tende ao
amanhã como o encontrar de um bem desejável. Embora queira evitar neste
instante o componente religioso do conceito de esperança, não posso me olvidar
de citar São Tomás de Aquino, para quem o desesespero é o oposto da esperança.
Nos
imaginar rumando para dias melhores é um bálsamo aos nossos sofrimentos
contemporâneos. Podemos até dizer que o existir humano transita na gangorra
oscilatória entre o medo e a esperança. No medo o futuro nos assusta, pois dele
receamos um mal. Na esperança a perspectiva do que virá é bem vinda. Sabemos que
uma imagem psíquica tanto de uma coisa passada como de uma coisa futura tem a dinâmica
de nos afetar semelhantemente uma imagem psíquica de uma coisa presente. Segundo
o filósofo holandês Espinoza (1632-1677), o medo e a esperança nascem de uma
imagem passada ou futura, da qual duvidamos do resultado. A dúvida, portanto, é
a raiz comum entre esses dois sentimentos. Se retirarmos da esperança a dúvida,
então estaremos no âmbito da segurança e não mais da expectativa esperançosa. Opinião
análoga tinha também o filósofo e escritor francês Voltaire (1694-1778) ao
afirmar que "A esperança é um alimento da nossa alma, ao
qual se mistura sempre o veneno do medo".
A esperança e o
ânimo são diretamente proporcionais, ou como escreveu o psiquiatra austríaco
Viktor Frankl: “Os
que conhecem a estreita relação que existe entre o estado de ânimo de uma
pessoa – seu valor e suas Esperanças, ou a falta de ambos – e a capacidade de
seu corpo, para conservar-se imune, sabem também que se repentinamente perdem a
Esperança e o valor, isto pode ocasionar a morte”. Pois é, diz um dito popular que a
esperança é a última que morre. Morrendo a esperança na alma humana abre-se uma
enorme fenda e brecha à depressão e ao morrer subjetivo do sujeito e da
existência. Uma pessoa sem esperança é uma pessoa desvitalizada cujo futuro é
somente uma congelada continuidade do presente. Um ser sem futuro e sem sonhos,
portanto, não vive humanamente falando, apenas sobrevive. Por isto igualmente
disse o poeta espanhol García Lorca (1898-1936): “o mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança
perdida”.
Sim, a
esperança é além de tudo sentimento, sentimento este que nos dá sentido à vida.
Não basta acordar de manhã cedo; é necessário para que o dia reluza (embora
chuvoso) que acordemos com esperança. A esperança nos lança para depois das
nuvens e de suas chuvas, porém esperança não é o mesmo de espera, visto que
esperança é busca. Todavia não confundamos esperança com desejo. A primeira
pode até ser filha da segunda, mas não é a mesma coisa, visto tratar-se de uma capacidade e propensão psíquica que nos faz crer na realização de nossos
desejos. A esperança é também uma forma de prazer em expectativa – como afirma
o psicólogo francês Gustave Le Bon (1841-1931) – que paradoxalmente na espera
de sua realização se constitui em uma satisfação até maior que a produção de
sua realização.
Esperança
é tudo isso. É afeto, é sentimento, é transcendência, é aptidão mental, é
ilusão, é sonho, é prazer, é bálsamo, é expectativa, é virtude, é
aguardamento, é confiança e é anseio. Esperança é encanto mágico que com sua
vara de condão transforma sofrimento, ausência, falta e dor em crença e fé.
Parafraseando
Arquimedes, dei-me esperança e eu terei o mundo.
Mas, por
favor, não me deixem findar sem poesia. Permitam-me transcrever os versos
finais do poema Cântico da Esperança do poeta, músico e dramaturgo indiano Rabindranath
Tagore (1861-1941:
“Não deseje eu
ansiosamente
ser salvo,
mas ter esperança
para conquistar pacientemente
a minha liberdade.
Não seja eu tão covarde, Senhor,
que deseje a tua misericórdia
no meu triunfo,
mas apertar a tua mão
no meu fracasso! “
Joaquim Cesário de Mello
"Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhe deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens" (Nietzche).
ResponderExcluirUma outra perspectiva e o engraçado que ele usa o mito de pandora também para explicitar sua visão. Acho os dois pontos de vista muito coerentes e interessantes.