Escrevi recentemente em outro artigo
aqui no LiteralMENTE sobre as várias palavras usadas na psiquiatria que foram
paulatinamente banalizadas no discurso
do dia a dia: “meu marido tem uma
bipolaridade”, “a situação lá em casa está esquizofrênica”, “sou meio
TOC”, “esse menino é hiperativo”, “comendo desse jeito, vou acabar pegando uma
bulimia”, “aquele cafajeste é um
sociopata”. Óbvio que estas palavras não
são propriedades da ciência ou da medicina, mas o que observo é que com o
passar do tempo, alguma delas vão se desconstruindo do sentido original que
muitas vezes provocam equívocos até mesmo na comunidade científica. Vamos a mais
uma dessas palavras...
Costumamos chamar de estressadas
as pessoas que são submetidas às situações mais deploráveis ou sofríveis de
suas condições de vida. O excesso de trabalho, de tarefas, de compromissos, as
dificuldades econômicas, a indisponibilidade de tempo, as situações de perda,
fazem muitas vezes estas pessoas adoecerem com o que se denomina de estresse. Esse fenômeno, quando está assim descrito,
geralmente se refere a condições desfavoráveis ou desprazerosas e são vistas
como sinônimos de fadiga ou de ansiedade, restringindo-se as experiências
psíquicas. Se recomendarmos, contudo, aos estressados uma atividade física, uma
viagem de turismo, uma mudança de ares, poderíamos estar assim prescrevendo uma
receita para o tratamento anti-estresse? Não. Por quê? Porque estas
recomendações podem ser igualmente estressantes. Afinal que seria estresse?
O primeiro teórico a utilizar a
palavra estresse foi o médico e biólogo canadense Hans Selye num livro
que posteriormente se transformou num clássico: The Stress of Life (O estresse da Vida). Selye nunca foi psicólogo
ou psiquiatra, era médico endocrinologista, e sua teoria foi construída em cima
de experimentos puramente biológicos. “O
Estresse da vida” foi publicado em 1956, e desde então, calcula-se que gerou
centenas de milhares de publicações científicas. Inspirada em conceitos Darwinista, Selye teorizou
uma sequência de mecanismos orgânicos-adaptativos nas ocasiões/situações em que o “ser” era submetido a ameaças a sua
integridade. Essas situações iam desde as alterações fisico-químicas, às existenciais
ou sociais – as situações de estresse. Esses mecanismos adaptativos evitariam o
adoecimento ou a morte do organismo.
Todo esse processo Selye denominou de Síndrome Geral de Adaptação. Havia
no entendimento desse teórico a relação adaptação/aptidão de um lado, e a
intensidade do estressor do outro – estresse é a situação e a doença. O resultado
dessa relação resultaria em três possibilidades: superação (adaptação),
adoecimento e nos casos extremos, morte. Alguns exemplos: se saio de um lugar
de calor intenso e enfrento uma sala com ar-condicionado com temperatura abaixo
dos vinte graus, acontecerá inúmeros mecanismos fisiológicos que vão tentar me
adaptar a essa nova situação, caso isso não ocorra, adoeço: resfriado,
pneumonia etc. Se vou trabalhar em um novo emprego, mesmo que seja um tão
sonhado emprego, vou utilizar, do mesmo modo, de mecanismos adaptativos que se porventura
falharem, posso adoecer de inúmeras formas: desde as crises ansiosas, depressão às doenças físicas.
Tendemos a utilizar a palavra
estresse apenas para as situações indesejáveis como perda morte, desemprego, separação.
No entanto, as situações estressoras geralmente não são mensuradas apenas pelo
infortúnio, mas pela severidade da transformação entre a situação anterior e a experiência
posterior e, os novos eventos da vida, não são necessariamente desagradáveis. Quantas vezes já se observou
pessoas adoecerem após casarem, ou aquelas que foram convocadas para uma grande
realização profissional, se deprimiram, ou mesmo aquela tão sonhada férias para
Europa culminar em vários doenças físicas. O nascimento do primeiro filho seja
desejado ou indesejado é considerado um dos estressores mais significativos na
cultura ocidental. Se se observar com mais cautela, muitas doenças físicas são
desencadeadas em momentos de passagem – que são estressores. Muitas se iniciam
na puberdade, no final da adolescência, ou entre a juventude e a meia idade e
assim por diante. Os imigrantes são mais sujeitos a mais adoecimentos que os
nativos.
A teoria do estresse reporta, de
certo modo, ao lado animal; enfrentamos situações sociais ou existenciais como
um animal ao seu predador. A ameaça é captada pela nossa fisiologia como se estivéssemos,
de fato, à beira de uma situação mortal. Um dos mecanismos defensivos, a ansiedade,
é muito utilizada na Síndrome Geral de Adaptação nas situações de estresse. O que
suponho que justificaria com que muitos pensem em estresse como situações exclusivamente
psíquicas, seria a capacidade que o ser humano tem de transformar ameaças reais
em ameaças simbólicas – e no mundo simbólico existem leões, aves de rapina, serpentes, insetos venenosos, como a mais temida das
selvas
Marcos Creder
Nenhum comentário:
Postar um comentário