sábado, 28 de novembro de 2020

O TRIUNFO DA IMBELICIDADE

O Nome da Rosa – Wikipédia, a enciclopédia livre



O escritor, semiólogo e linguista italiano Umberto Eco (1932 - 2016), escritor de obras como O Nome da Rosa e O Pêndulo de Foucault, foi mais que um escritor de renome internacional e professor universitário, foi também um importante pensador sobre a contemporaneidade e a cultura. Em meados de 2015, quando do recebimento do título de doutor honoris causa da Universidade de Turim, afirmou que  internet deu voz a uma legião de imbecis que antes corriqueiramente falavam suas besteiras em um bar depois de uma ou outra taça de vinho, sem com isso prejudicar a coletividade. Segundo Eco anteriormente "normalmente eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel". Utilizando-se do termo aldeia global criado pelo filósofo canadense Herbert McLuhan, Umberto Eco conclui que "o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade". 

Asno de vista estúpido ilustração do vetor. Ilustração de estúpido -  135560639Toda época, toda geração, tem seus imbecis. Ás vezes podem chegar a ser até a maioria de uma dada população. Imbecilidade não é uma questão de quantidade, mas de qualidade, embora o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912 - 1980) certa vez tenha dito que "os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade". A qualidade que faz alguém ser um imbecil é usar sua inteligência de maneira curta e acrítica. Quantdo à tal qualidade se soma quantidade temos o triunfo da imbecilidade. 

6 fatos interessantes que vão mudar sua visão da Capela Sistina | HuffPost  BrasilA estupidez humana é tão humana quanto nossa capacidade intelectiva e senso-critico. Como dizia o poeta Fernando Pessoa despertamos para a estupidez da vida tanto quanto para a ternura da mesma. Somos capazes tanto de construir belezas como a Capela Cistina quanto campos de concentração e extermínio. 

A mediocridade das pessoas
Certa vez já exclamava o físico alemão Albert Einstein (1879 - 1955) que duas coisas são infinitas: "o universo e a estupidez humana. Mas em relação ao universo ainda não tenho certeza absoluta". Pois é, todos temos algo aqui ou acolá de meio estúpido ou imbecil, afinal tem momentos na vida que somos passíveis de agir sem o uso da inteligência e do tirocínio. Todavia, tem gente que faz da imbecilidade um modo de ser no mundo e na mediocridade de sua existência tão inépcia quanto sua própria parvoíce. 
Um ensaio sobre a imbecilidade: o Brasil atual e a leitura de Ortega y  Gasset | Revista Bula

Como dizia, toda época e momento histórico ou geração tem lá seu quantum de imbecis. Mas há épocas em que isso transpõe os limites do minimamente razoável. Temo estarmos em períodos onde bárbaros prevalecem. O historiador holandês Matthijs van Boxsel (1957 - ), autor de A Enciclopédia da Estupidez, escreveu que "a estupidez é o fundamento de nossa civilização". Como afirma Boxsel ninguém é tão inteligente a ponto de reconhecer o quão imbecil e estulto se é. Acredito que quanto mais imbecil um cara for mais o cara se acha dono do mundo, da verdade e decifrador dos enigmas das esfinges. O só sei que nada sei socrático jamais é reconhecido por um indivíduo ou multidões de indivíduos obtusos e ignaros, e por isso mesmo tacanhos, boçais e insultuosos. 

Tem um livro da década de 30, escrito pelo professor universitário norte-americano Walter Pitkin (1878 - 1953), titulado Uma Breve Introdução à História da Estupidez Humana, que seria bom revermos ou conhecer. Mas tenho lá minhas dúvidas quanto aos imbecis geracionais de fato, afinal um imbecil não é lá muito de ler, e quando o faz só lê livros que lhe falem do que já sabem ou supõem saber.

Imbecilização Coletiva - Por Frei BettoQuando criança havia uma espécie de musiquinha que cantávamos "um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam muitos mais. Dois elefantes incomodam muita gente, três elefantes incomodam muito mais" - e assim seguia até o fôlego acabar. Acho que tem muito elefante nas praças, jardins, ruas e salas de jantar. eu mesmo já perdi o fôlego de contá-los. Talvez deva recomeçar a enumerar a partir do meu próprio espelho. 

Joaquim Cesário de Mello

terça-feira, 10 de novembro de 2020

NOVEMBRO

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Dizem as antigas tradições que novembro é o mês em que os deuses do amor se reúnem para decidir o destino amoroso dos mortais. Pois é, quis o destino que eu nascesse em um distante novembro do século passado. Desde então, para mim, todos os meses e todos os dias são novembro. Não aceito desaparecer em um mês que não seja novembro. Se em novembro aqui cheguei, se em tantos novembros aqui vivi, é justo que novembro seja o dia do meu definitivo acabamento. Que em minha lápide um dia se escreva: aqui jaz um homem que viveu entre dois novembros
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Novembro é o mês em que todos os meus anos se encontram. Em novembro sou menino, homem, adulto, velho e não sou ninguém. Em novembro não tenho idades; somente saudades. Reabre-se em mim a janela da nostalgia de todos os meus mortos: os antigos, os recentes e os futuros. Em novembro vivo de lembranças e evito cumprimentos. Sou como Fernando Pessoa que dizia: "No tempo em que festejavam os dias dos meus anos,/eu era feliz e ninguém estava morto". Sou sobrevivente de mim mesmo e de minha história. Estou durando, mais do que antes pensei que durasse. Porém não estou melancólico, carrancudo ou tristonho. Estou jovial neste meu corpo envelhecido de tempo. Estou feliz, seja lá o que isso for. Espero poder assim continuar e um dia sumir em uma terminante noite alada. 
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Estou feliz porque não estou triste. A vida já é algo tão restrito e mínimo para desperdiçar os restantes minutos com o padecer de tristuras. Deixo aos apressados a sofreguidão de tantos açodamentos, Hoje não tenho mais pressa, afinal à frente me espera o nada, o vazio e a coisa nenhuma. Deixem-me, pois, quieto aqui neste novembro. Há aqueles que aspiram eternidades. Não eu. Modestamente desejo apenas a infinitude do mês em que nasci. Deveríamos nascer para não ter fim. 

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Que me perdoem os incautos. Não ousem ligar-me para lembrar do adiantado das horas. Já me basta o escoar persistente da areia da ampulheta a esbranquiçar meus minguados restantes fios de cabelo. Deixem-me apreciar em silêncio este mês tão interminavelmente temporário. Não quero vozes, cartões ou mensagens. Tão só, quero-me. No dia da minha data banquetear-me-ei com as lembrança, os sonhos, os desejos, as esperanças, meus fantasmas...e mais ninguém. Já me são tantos os convivas a saborear o festim dos meus derradeiros natalícios, e não há espaço para mais nenhum presente. Não queiram brindar-me com perfumes, camisas ou quinquilharias; afinal possuo tudo o que quero: desde a mulher que escolheu comigo envelhecer, de  quem tenho a presença dos finos traços de seus afetos delicados, à minha filha única e de mim herdeira, de onde terei a imortalidade que ora não possuo guardada sempre em sua memória.


Existo e habito entre o que não consegui ser e o que nunca serei. De todos os irmãos que nunca tive e jamais terei sou o mais diferente. A moldura em que me pintei não há igual. Deve ser por isso que muitas vezes faço tudo ao contrário, menos voltar pra trás. E já se vão uma dúzia de lustros. Mais da metade, bem mais, da caminhada. A estrada em que sigo não há calçadas nem beiras. À frente esperam-me aqueles que festejavam os dias dos meus anos de menino.

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De novembro à novembro prolongo-me um pouco mais. Porém neste novembro que se descortina terei a idade última do meu pai. Saúdo-te, pois, novamente novembro. Em breve despedir-me-ei de ti e serás mais um mês a fazer parte do meu baú de ossos. E quando a melancolia de dezembro de mim outras vez se apoderar, é que ainda estou aqui e estou vivo. Ainda bem...


Joaquim Cesário de Mello