domingo, 26 de julho de 2015

A Eterna Ficção



No passado, não há muito tempo, se me perguntassem se eu lia Best-sellers geralmente eu costumava dizer que não. E posso dizer que isso era puro preconceito ou arrogância, pois acreditava que, o que a maioria lê, são coisas imprestáveis ou banais. Na verdade, depois descobri que existem coisas imprestáveis e banais em todos os segmentos da literatura ou das artes. Há livros famosos, ou melhor, conceituados,  que julgo, sem me sentir culpado ou herege, insuportáveis. Prefiro não citá-los. O fato de ser muito ou pouco lido não faz de um texto isso ou aquilo, não o faz melhor nem pior.   Os best-sellers geralmente são  mais vendido porque obedeceram,  entre vários critérios, o critério da agradabilidade do texto - para mim, especialmente, indispensável.  Francamente gosto de textos agradáveis e bem escritos, o que não é o mesmo que texto fácil. Há textos difíceis que não são aborrecidos - como diria Proust -, como, por exemplo, os de Guimarães Rosa, Virgínia Wolfe,  ou de Jorge Luiz Borges . A academia preconiza que o bom  texto  tem que ser objetivo - isso é realmente é importante. Contudo, o que se observa, nessa suposta objetividade, é um texto insosso, enfadonhos, chato. O texto freudiano, por exemplo, é muito objetivo, e, de fato, bem escrito, agrada até os menos interessados - Freud ainda vivo, inclusive, ganhou o prêmio Goethe de literatura, costumeiramente dado a obras de ficção. Freud, por sinal, foi Best-seller na sua época, com A Interpretação dos Sonhos - mas na primeira edição, ainda desconhecido, vendeu apenas dezenas de volumes. Vale lembrar também que muitos livros que hoje são considerados pouco lidos, no passado, não muito remoto, foram Best-sellers. Autores como Camus, Sartre, Gabriel Garcia Marques, Umberto Eco, entre muitos outros, tiveram livros na lista entre os mais vendidos do país e do mundo. No entanto, no filão dos mais vendidos geralmente há sim um monte de livros de má qualidade.

Faz uns quinze dias que passei numa livraria e encontrei um “best-seller  internacional”: “Uma breve história…”, nem terminei a frase, virei o rosto.  Pensei, livros que começam com “uma breve história” de qualquer coisa, geralmente são imitações de outros livros que foram best-sellers que iniciaram com esse título (que já eram grande coisa) ,  e, se são imitações, devem ser ruins. Esse fenômeno, por sinal, é muito comum no cinema, quando um filme faz sucesso ou bilheteria, chegam outros filmes “comensais” com títulos semelhantes para  tirar um pedaço do original, que também nem sempre é bom, mas fez sucesso de público e, principalmente, fez dinheiro - nesses filmes impostores geralmente envolve  gente querendo ganhar dinheiro, é óbvio.
Mas o livro que tomei nas mãos, nas duas mãos , pois era pesado, tinha um título assim, “Uma Breve História da Humanidade”,  mas antes em destaque tinha o título, digamos, principal: “Sapiens”.  Abri, folheei e fiquei maravilhado.
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Trata-se de um livro singular de um autor que até então desconhecia Yuval Harari, um Historiador ainda jovem, doutor em história em Israel. Nesse livro, Harari se propôs a contar a  história de um sujeito para nós aparentemente bem conhecido, o Homo Sapiens. Falei aparentemente porque somo tolos em dizer que nos conhecemos bem. Somos ignorantes em relação a vários aspectos de nossa vida, mal sabemos do passado, falhamos costumeiramente ao planejar o  futuro, desconhecemos a nossa índole, sequer sabemos o que  desejamos.  O Livro é interessante porque destaca vários temas que, dificilmente, dialogavam antes na academia, como biologia, psicologia, história, economia. Estamos acostumados a ter entendimento diversos em relação a compreensão do sujeito e dos  acontecimentos históricos. Por muito tempo se pensou com foco no determinismo histórico ou nos determinismos social ou do sujeito -   o determinismo biológico, em especial, sempre andou à margem, inclusive, fazendo parte de outros departamentos na Academia. Nesse texto, Harari não parece ter foco, constrói uma história sem heróis, sem superioridade moral ou  biológica, mostrando ceticismo à visão romântica desenvolvimentista que costumamos ter da humanidade. Questiona se o a evolução, de fato, nos propôs conforto ou nos disponilibizou mais tempo para o lazer. Se a aquisição de todo aparato tecnológico, por exemplo, nos propicia de fato bem estar. 


Um dos temas mais interessantes abordado nesse texto é o que Harari chamou de  revolução cognitiva do Homo Sapiens. Nela, ocorreu algo ainda desconhecido, talvez uma mutação genética,  que conferiu linguagem a humanidade, e consequentemente saber.,Por outro lado, também propiciou ao Sapiens a visão ficcional ou mítica do mundo. Somos tão inteligentes quanto míticos. A linguagem e seus acessórios, de certo modo, criou a imaginação e a mitologia - entre elas estão mitos corporativos, sociais, científicos e, obviamente, religiosos. De acordo com esse autor seria ingênuo pensar que, ao se afastar do pensamento religioso, se estaria evoluindo para uma verdade deslavado. Na verdade, muda-se de mito, pois a ficção nos cerca e irremediavelmente nos monta armadilhas contínuas. Do mesmo modo que o sujeito acredita em santos da igreja católica, ou do candomblé, poderia,  em outro momento, acreditar  que tem mais de três mil amigos nas redes sociais.

O texto de Harari,  fez-me lembrar um texto do começo do século XX de  autoria de Groddeck, médico e psicanalista, contemporâneo de Freud. Groddeck, um grande escritor, acreditava que o psiquismo humano é invadido por equívocos, que formam nossas fantasias e ficções Toda palavra é uma meia-verdade narra um mito, um não acontecido. Esses equívocos tem, contudo, a vantagem de fazerem arte.    

Marcos Creder

domingo, 19 de julho de 2015

ADOLESCÊNCIA PARA MAIORES DE 18 ANOS

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Nestes tempos folgados de férias escolares, digo acadêmicas, encontro-me com maior disponibilidade de mim. E, assim, um tanto ocioso e um tanto livre das obrigações e das teoréticas academiais, passei a assistir alguns filmes e ler alguns livros pendentes e novos. Recentemente assisti na Netflix o filme "A Ponta de um crime" (Brick), de Rian Johnson, seu primeiro filme de cinema, vencedor no Festival de Sundance (2005) do prêmio de originalidade e visão. Rian é roteirista e chegou depois a filmar "Looper" e alguns capítulos da série televisiva "Breaking Bad". A Ponta de um Crime é um filme de suspense ao feitio dos filmes de David Lynch. Eu diria, até, que um estilo David Lynch adolescente. Adolescente aqui expressado não por ser menor ou pueril, mas sim por centrar sua narrativa no âmbito e no universo juvenil higt school dos subúrbios dos EUA mediano. Um filme que flerta com o noir e transita beirante pelo onírico. Com ares de teen movie não há nada de adolescente nele. Bizarro e um tanto psicótico, Brick (que em inglês é tijolo, mas também gíria para tijolo de heroína) realmente tem algo de criativo, embora com sabor de requentado.
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As aparências enganam. Nada é o que parece ser. A trama é frenética e algo subvertida. Sua narrativa nos leva (através do personagem central) a um submundo que geralmente não conhecemos ou não queremos saber de sua existência. Enigmático, misterioso e sensual, assisti-lo é um exercício mental interessante. Com um roteiro rocambolesco e cheio de peripécias, temos frente a nossos olhos um desfile de personagens excêntricos e extravagantes em um enredo que se desenrola sem pressa, mas que nos mantém a atenção. Inteligente.
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Elaborar e produzir um filme que se afasta dos cânones do mainstream hollywoodiano é meio caminho andado para se transformar em cult movie. E o que vem a ser um filme cult? Argumento original e insólito, história inovadora, estilizado e estiloso, ousado e fora do convencional, podem ser critérios que conjugam a definição de cult. Geralmente um filme cult é cultuado por um público restrito. Para aqueles que curtem a mediocridade imperante dos cinemas de shopping, fuja. Fuja ou não assista A Ponta de um Crime. Sua praia é outra.
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No filme em questão o que mais interessa é o subliminar. Psicologicamente não percebemos tudo. Podemos até falar em percepção e subpercepção. Quanto a relação entre percepção e consciência, Freud em seu livro "Moisés e o Monoteísmo" escreve: "do fenômeno da consciência, podemos, pelo menos, dizer que esteve originalmente ligado à percepção. Todas as sensações que se originaram da percepção de estímulos penosos, táteis, auditivos ou visuais, são as mais prontamente conscientes. Os processos de pensamento, e tudo o que possa ser análogo a eles no id, são, em si próprios, inconscientes". O inconsciente existe (freudiano ou não) porque muitas coisas e eventos passam ao nosso redor e em nossa mente cuja a mesma não é capaz de perceber conscientemente. Desde a Grécia antiga, Demócrito, por exemplo, já dizia que "muito do perceptível não é claramente percebido". Assim, voltemos ao filme ora abordado.
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Filmado em grande parte em um universo escolar com muitos espaços vazios de pessoas, todos os personagens (principais e/ou secundários) parecem fazer parte de um mundo à parte onde todos, de uma forma ou de outra, terminam sendo suspeitos de uma espécie de organização conspirativa e criminosa. O subterrâneo das marginalidades aflora à pele. A originalidade e singularidade do cineasta Rian Johnson também pode ser apreciada em "Looper - Assassinos do Futuro", filmado anos após em 2012. Não é fácil ser incomum em uma arte industrial impregnada de mesmices e remakes. Se o filme A Ponta de Um Crime é feito em um cosmos juvenil, ele não é composto para adolescentes, seja de qualquer idade.
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Se ao dormirmos sonhamos, em cinema também sonhamos, sonhamos acordados. Em A Ponta de Um Crime o que temos é uma história estruturada de maneira onírica. Nele cruzamos a fronteira entre o manifesto e o latente. Somos de imediatos retirados do convencional e entramos no subjetivo das entrelinhas. Passamos do limite do espelho e somos, assim, levados a transitar no lado obscuro do ser humano e de suas sociedades. Como se voltássemos a ser crianças seguimos a trajetória do personagem central em uma brincadeira de faz-de-conta. Como disse acima, nada é o que parece ser. O que é não é visível à interpretação rasteira das percepções e das lógicas superficiais das cognições sem imaginação. 

Resultado de imagem para mundo invertidoO mito do sonho americano é desconstruído sem muitas delongas. O esgarçamento do tecido social é aqui representado um tanto vertiginosamente goela adentro. Diferentemente de Veludo Azul, de David Lynch, não transitamos de um um mundo a outro, porém somos de chofre jogados na loucura misteriosa que parece subjazer na epiderme do mundo evidente em que vivemos ou sobrevivemos. Somos, desta maneira, lançados em meio ao desconhecido, ao oculto, ao enigmático e ao tenebroso. Um entretenimento para estes dias repousantes com sérios ares de uma maluquice reflexiva. Vale suas quase duas horas. Assista sem pipoca.


Joaquim Cesário de Mello